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O suicida e o computador

Calma, calma, "o suicida e o computador" é apenas o título de uma crônica - e de um livro - do genial Luis Fernando Veríssimo. Na história, um escritor decide tirar sua própria vida porque, em suas palavras, "no fundo, no fundo, os escritores passam o tempo todo redigindo a sua nota de suicida. Os que se suicidam mesmo são os que a terminam mais cedo".

Quando já está com o pescoço no laço, desce do banquinho e resolve suprimir a segunda ocorrência da expressão "no fundo", por questões de estilo. Depois, considera a nota muito curta e acrescenta um texto explicativo. Pensa que está pronto para concluir o processo mas acaba se lembrando de uma frase de Borges que cai muito bem - e retorna ao computador para incluí-la.




Faz nova inserção na nota de suicídio, acrescenta outro parágrafo e, depois de ler o texto mais uma vez, guarda o arquivo na memória do computador para revisá-lo no dia seguinte. E vai dormir.

Lembrei-me dessa história ao participar do BPM Day Educação na Universidade de Brasília, no último dia 20. Depois das palestras daquela manhã, estávamos debatendo temas relacionados à gestão de processos, quando um participante questionou a respeito das armadilhas de ficarmos presos indefinidamente nas análises dos processos atuais sem que consigamos implementar melhorias na prática.

Minha opinião é que tal risco é real e é potencialmente amplificado quando o modelo de atendimento às demandas de processo apresenta algumas características. Por exemplo, encarar os ciclos de gestão de processos como longas sequências de etapas bem definidas (como planejamento, representação da situação atual, análise dos problemas, desenho da situação desejada) até o momento de implantar as melhorias. Nada contra tal ciclo - mas penso que ele é melhor explicado por ciclos de "eixo menor" (as "rodas pequenas que compõem a grande") que a figura global. Ou seja, o planejamento contém em si mesmo também a implantação, a situação atual já enseja uma ação de melhoria, etc. É impossível tentar deter o tempo requerido pela mudança freando as equipes de processo na implementação de soluções, porque desejamos que todos os componentes do processo estejam igualmente detalhados. Costumo brincar que quando atuava como consultor interno de processos, sentia que em algumas situações parecia querer "revogar a lei da gravidade" ao pedir às equipes de uma parte de um processo que não mais alterassem as representações a que havíamos chegado até que toda a cadeia de valor estivesse detalhada. Isso podia levar meses e, é óbvio, não tínhamos o controle de todas condições e variáveis envolvidas.

Nossa ansiedade também pode ser contida se nossos métodos incorporarem as noções que, se por um lado, a evolução dos processos é uma certeza (eles são "elementos vivos"), por outro podemos experimentar desde o princípio a implantação e os impactos de nossas melhorias, fracionando o grande processo em partes que se conectam e interagem o tempo todo. É uma visão mais holística de gestão.

E o melhor de tudo é que, tal qual na crônica do Veríssimo, todos se salvam no fim da história!



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