Há alguns anos, tive a oportunidade de ciceronear Paul
Cotton, então co-chair do grupo de HTML do W3C, em uma viagem ao Brasil. Ao
chegarmos ao aeroporto de Confins para retornar a São Paulo, Paul viu uma
enorme fila em frente a uma lotérica no aeroporto e me perguntou o que estava
acontecendo para tantas pessoas entrarem em uma fila no aeroporto, que não
fosse para embarcar. Contei então que este era um dia em que haveria um sorteio
milionário de uma de nossas loterias e que as pessoas estavam, então, tentando
jogar antes do horário limite, às 19:00.
No dia seguinte, já em São Paulo, me perguntou se eu tinha
conseguido ver o resultado do sorteio do dia anterior. Respondi que não só eu,
como provavelmente outro milhão de pessoas, teria tentado entrar no site da Caixa
Econômica para ver o resultado e o site tinha ficado indisponível por várias
horas. Como estávamos caminhando para fazer uma conversa sobre computação em
nuvem com um grupo de clientes, ficou a pergunta no ar: será que a Caixa não
tinha avaliado colocar esta página de resultados de loteria num provedor de
computação em nuvem, com maior chance de poder responder ao pico de
solicitações com menos impacto em seus datacenters próprios? Minha resposta
básica, sem muito tempo para pensar foi: talvez considerem oneroso ou inseguro
hospedar os resultados em outro ambiente e tenham medo de haver alteração e,
portanto, pessoas pensarem indevidamente que foram sorteadas. Depois de um
tempo me senti um tanto estúpido, já que vários sites na Internet brasileira também disponibilizam os
dados de sorteios de loterias e, aparentemente, não há problema com isso.
Aí ficou a pergunta que vem sempre martelando minha cabeça: será
que muitas empresas, por não terem estabelecido a governança e os processos de classificação
de dados, acabam por considerar tudo como sendo dado de acesso restrito, sem possibilidade
de armazenamento fora de seus próprios equipamentos? Perguntei aqui, perguntei
ali e uma quantidade razoável de pessoas me respondeu positivamente a esta
suposição dizendo, principalmente, que não havia condições de, com o volume de
dados armazenados e o atual crescimento, fazer uma análise apurada para
entender o portfólio.
Eu mesmo, em casa, tenho uma coleção de tamanho razoável de
CDs, que venho colecionando desde os tempos de faculdade o que dá, pelo menos,
30 de anos de coleção. Algumas interrupções causadas por anos menos saudáveis
financeiramente e momentos de quase êxtase como chegar numa loja e conseguir
proferir a frase “Um de cada!” quando o vendedor de uma loja me perguntou se eu
estava interessado em comprar um dos relançamentos em CD do Premiata Forneria
Marconi, fizeram esta coleção crescer bastante e, até hoje, tenho dificuldade em
saber o que já digitalizei ou não. Usei então uma recomendação simples e
objetiva de um colega: comece com o que é novo, colocando o passado meio de
lado e organize sua coleção a partir do agora, como se ela fosse nova.
E assim tenho feito, por anos a fio, sempre digitalizando as
novas aquisições (sim, ainda compro CDs físicos) e, de tempos em tempos,
voltando às estantes do meu histórico e digitalizando os CDs mais antigos. A coleção
digital cresce toda semana, sempre com base num método de classificação e
ordenação que adotei antes de começar esta maratona. Fica para outro dia dizer como faço para ouvir tudo isso...
Em trabalhos anteriores, foi assim também que conseguimos
fazer uma boa classificação de dados (confidenciais, públicos, restritos, etc.):
a partir do momento em que estabelecemos as regras de classificação de dados e
começamos a tratar todos os novos documentos de acordo com elas, pudemos iniciar o armazenamento do novo. Depois de pegarmos
prática nesta análise e organização, começamos a dividir a tarefa de migração dos
dados antigos, que decidimos inicialmente classificar genericamente como
restritos, para esta nova classificação.
Isso permitiu, inclusive, determinar com muito mais
segurança quais seriam os dados que poderíamos compartilhar com parceiros de
negócio sem o risco de vazamento de informações consideradas confidenciais,
melhorando sensivelmente a qualidade do relacionamento digital que tínhamos com
todos esses parceiros.
Essa prática levo, inclusive, para o meu pequeno mundo de
relações digitais em redes sociais. Se tem algo que não quero que ninguém
saiba, com certeza essa informação não estará por lá. Se quero compartilhar com
um ou outro amigo, faço essa configuração ao finalizar o post e por aí vai.
Levo uma vida praticamente sem sustos, ciente de que minha privacidade ainda está
protegida e é minha função, e não a do provedor da rede social, manter esta
privacidade de forma saudável. O provedor me dá as ferramentas e eu as utilizo,
espero, de forma correta para poder dormir tranquilo. E, caso ache que o
software do provedor ou suas políticas não estejam adequadas, eu readequo as
minhas práticas para contornar as deficiências que observo, podendo até optar
por trocar de rede social ou mesmo não aderir a uma nova.
No frigir dos ovos, o recado aqui é simples: entenda os
dados que você tem em mãos para saber como tratá-los adequadamente.
No próximo
post, um pouco da visão dos trabalhos de tratamento de dados que estamos
desenvolvendo no mundo de normalização internacional para ajudar as pessoas a
desembaraçar suas vidas digitais.
Muito boa dica, Fernando.
ResponderExcluirE é algo que da pra aplicar a diversas situações pessoais e profissionais, não apenas dados e digitalização. Concorda?
Abs!