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Modelos de processos a partir dos resultados

"Tempos Modernos" é um dos grandes filmes de Charles Chaplin e certamente sua cena mais marcante é aquela em que o personagem interpretado por ele cai nas enormes engrenagens da fábrica em que trabalhava. É uma contundente e ao mesmo tempo lírica crítica à excessiva mecanização do trabalho e das relações humanas, em um tempo em que o próprio Chaplin se negava a aderir à modernização da indústria cinematográfica e insistia em manter mudos os seus filmes.



Há, no entanto, uma honrosa concessão ao som em "Tempos Modernos", na sequência em que o trabalhador canta para uma plateia. A cena é excepcional: para lembrar-se da letra da canção, Chaplin a anota nos punhos de sua roupa mas, envolvido em seus movimentos, acaba por perder sua "cola" e tem de improvisar as palavras. Sua agonia ao ver o chão fugir de seus pés é um dos grandes momentos do filme.

Quando alterávamos o método de abordagem de processos em minha passagem na gerência de nosso escritório de soluções, há oito anos, pedi ao grupo de consultores que nos assessorava que eu fosse o primeiro a passar pelo movimento de mudança - queria aplicar o remédio em nossa unidade, para saber a partir de qual dosagem ele poderia converter-se em veneno...

Então, em um fim de tarde, estava reunido com um grupo de três consultores externos, pronto para iniciar a modelagem do processo de "desenvolvimento e implementação de soluções empresariais. Não estava, porém, preparado para o que iria ocorrer:

- Primeira pergunta: qual o valor que o processo do escritório entrega à organização?

Estava acostumado a mapear um processo a partir da solicitação - e não da entrega. Achei a pergunta um pouco estranha, mas não perdi a calma:

- Fácil! - é só olhar as normas internas. O valor entregue são "soluções empresarias desenvolvidas e implantadas". Podemos agora mapear o fluxo de atividades?

Os consultores se entreolharam sorrindo. O coordenador do grupo voltou à carga:

- Olha, do jeito que você descreveu não nos ajuda muito - na verdade, pouco auxilia a você mesmo. O que são soluções desenvolvidas e implantadas? São modelos desenhados? São melhorias implementadas? São sistemas automatizados, competências adquiridas, cultura de gestão disseminada? Ou é tudo isso junto?

Estava completamente desnorteado.

- Além disso, quais as características de validade que tornas as tais soluções úteis para a organização? Você conhece as necessidades do seu público-alvo? Sabe se o tempo que você leva para entregar a solução é compatível com o esperado? Os custos são condizentes com o que foi planejado?

- Não sei boa parte dessas respostas - afirmei.

- Ótimo! Já é um bom começo. Então, busque essas informações com quem sabe e amanhã continuamos.

Saí grogue da reunião. Fui atrás dos dados que precisava e, no dia seguinte, outras demandas surgiram. Um leve desespero quase tomou conta da situação ao ver que, na primeira semana de trabalho, meu mapa continha apenas um valor (resultado, entrega) modelado e sua qualificação.

Foi aí que meus pés voltaram a pisar o chão - eu havia compreendido o método!

Uma vez que tinha uma boa visão (senão a certeza) do resultado que eu precisava gerar, podia começar imediatamente a gestão do meu processo, verificando a diferença entre o que era necessário e o que já possuía na unidade. Seria muito mais fácil identificar insumos, referências, recursos de infraestrutura e sincronizá-los, podendo gerar - se preciso - meus modelos de processo a partir dos valores pretendidos.

Os mapas foram sendo construídos muito mais enriquecidos e com a participação dos envolvidos no processo, porém pouco se assemelhavam à minha vontade original de registrar um fluxo de atividades. 

Afinal, como "Tempos Modernos" já nos ensinou, seres humanos não são máquinas...
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