Por
Valéria Esther Nigri Musafir
No último artigo do blog apresentei a
introdução e a metodologia utilizada no capítulo que escrevi
“Brazilian e-Government
Policy and Implementation”
do livro "International
e-Government Development: Policy, Implementation and Best Practice"
(Musafir, 2018).
Em artigos anteriores [1] e [2] abordei o
desenvolvimento do governo eletrônico e a participação eletrônica
do Brasil pela perspectiva da ONU, no período de 2008 à 2016.
Neste artigo serão apresentados os
resultados da pesquisa com relação as 3 categorias de e-governança,
segundo categorização da UNESCO, contendo os elementos de governo
eletrônico por mim classificados nessas categorias, a saber:
e-serviços;
e-administração (interoperabilidade e integração, padronização
e sistemas estruturantes); e e-democracia (dados abertos e
transparência; e-participação).
A
preocupação em melhorar e ampliar a oferta de e-serviços à sociedade foi
observada em três planejamentos estratégicos do governo a partir de 2011,
conforme ilustrado na Figura 1. No EGTI (2011), destaca-se o objetivo
estratégico "melhorar continuamente a prestação
de serviços eletrônicos à
sociedade”. Nos EGTI subsequentes, novos elementos são acrescentados a este
objetivo, passando a ter a seguinte redação: “melhorar continuamente a
prestação de serviços e a transparência
de informações à sociedade” no EGTI 2013 e “melhorar a prestação de
serviços públicos, a transparência das informações e a participação social pelo uso efetivo das TIC” no EGTIC 2014. Esse
objetivo estratégico está alinhado com o conceito mais amplo de e-gov
encontrado na literatura, que não se restringe apenas à oferta de serviços
eletrônicos ao cidadão, como também incentiva a democracia eletrônica por meio
do aumento da transparência, da participação democrática e accountability dos governos. Na EGD - Estratégia de Governança
Digital (2016) o objetivo estratégico se tornou "expandir e inovar os
serviços digitais". Foi observado que o termo "serviço eletrônico"
foi substituído por "serviço digital" nos documentos do governo.
O "Portal de Serviços" foi
lançado em 2013, mas a tecnologia utilizada foi reestruturada em
2015. Segundo um entrevistado do Ministério do Planejamento (MP) "o
novo Portal de Serviços é uma plataforma desenvolvida em software
livre. Está pronta para ser usada. O desafio é integrar serviços
de diferentes órgãos no Portal e usar o Portal para qualquer novo
serviço eletrônico que for criado".
Para os entrevistados do MP, a queda
do índice de serviços online (OSI) em 2010, mencionada em post
publicado anteriormente, não teve influência direta na inclusão
desse objetivo estratégico nos EGTI a partir de 2011. Entretanto,
foi constatado que a preocupação do governo em melhorar a prestação
de e-serviços, explicitada nos seus direcionamentos estratégicos,
teve como consequência uma subida do Brasil de 33 posições no
ranking mundial do índice OSI, passando da 55º posição, em 2010,
para a 22º em 2012.
Essa preocupação explícita em
oferecer mais e-serviços foi observada no Planejamento Estratégico
(PE) do Serpro 2014-2022 no seu único e abrangente objetivo
estratégico “instituir o Centro de Soluções e Informações de
Interesse do Governo Brasileiro”. O Serpro também coloca os
Requisitos Estratégicos de “prover serviços móveis para o
governo e sociedade com foco em ser o centro de informação” e o
“primeiro porto de escala de informações e serviços do governo
(federal, estadual e municipal) para governo, cidadão e empresas”.
Estes direcionamentos vão ao encontro das tendências de e-gov
publicadas pela ONU. Entretanto, essas preocupações explícitas
relacionadas ao e-serviço não foram observadas no PE do Serpro
ciclo 2016.
Um exemplo de sucesso relatado por um
entrevistado do Serpro dentro desse direcionamento foi o portal “Guia
de Aplicativos Móveis” que centraliza em um único local, todas as
soluções de aplicativos móveis desenvolvidas pelo governo para o
cidadão, como por exemplo, o SINESP Cidadão.
-
e-Administração (interoperabilidade e integração, padronização e sistemas estruturantes)
Desde o EGTI 2008,
o MP tem abordado a necessidade de integrar os sistemas de informação
do governo e fomentar a utilização do padrão e-PING para a
interoperabilidade. O SLTI 2011 tem como iniciativa estratégica
“fortalecer a interoperabilidade de sistemas estruturantes do
governo federal” conforme ilustrado na Figura 2 (MP/SLTI, 2013).
Na EGD (2016), o
objetivo estratégico "compartilhar e integrar dados, processos,
sistemas, serviços e infraestrutura" e a iniciativa estratégica
"promover o uso de padrões de governo eletrônico" podem
ser observados.
Alguns
entrevistados de 2014 mencionaram a necessidade do governo ter uma
arquitetura corporativa e a maioria dos entrevistados estavam
otimistas com o desenvolvimento do FACIN (Framework de Arquitetura
Corporativa para Interoperabilidade no Apoio à Governança). Um dos
entrevistados do MP mencionou que o desafio será a adoção dessa
arquitetura pelos órgãos do governo. Essa preocupação foi
compartilhada por um entrevistado do Serpro que adicionou que “a
inovação do FACIN
é que ele usa a experiência da e-PING, mas está sendo desenvolvido
por organizações especializadas no assunto. O governo, por causa da
sua imparcialidade, está consolidando as contribuições e esse
trabalho colaborativo irá facilitar a sua adoção pelos órgãos
governamentais".
Desde 2008, nos PE
do MP como também no PPA 2012 (MP/SPIE, 2011) é colocado como
objetivo estratégico a adoção do padrão de interoperabilidade
para governo (e-PING) e o padrão de acessibilidade de portais
(e-MAG). No SLTI (2011) é acrescentada também a evolução dos
padrões web em governo eletrônico (e-PWG).
Apesar do Serpro
ter participado da construção do e-PING desde a sua concepção, a
adoção do padrão e-PING e e-MAG não foi mencionada explicitamente
nos PE do período analisado e muitos sistemas e portais
desenvolvidos pelo Serpro não seguem esses padrões embora sejam
mandatórios.
No Serpro, apenas
no Planejamento Estratégico 2014-2022 (SERPRO, 2014) foi observado
explicitamente como diretriz estratégica “evoluir os sistemas
estruturantes de governo”, tendo como requisito estratégico a
“renovação arquitetural e tecnológica das soluções
estruturantes que facilitem a Interoperabilidade, comunicação e
disponibilização da informação”. No PE 2016, essa preocupação
explícita não foi mais observada. Segundo alguns entrevistados do
Serpro, a empresa irá modernizar os seus sistemas estruturantes se o
cliente demandar, mesmo que não esteja no PE.
Os entrevistados de
2014 foram unânimes em afirmar que o SIGEPE era um modelo para o MP
e que a parceria com o Serpro e a Dataprev, tanto para o SIGEPE
quanto para o novo SIORG estava funcionando muito bem. Reafirmaram as
características de estar aderente aos padrões, ter nascido
integrado e utilizar a metodologia ágil no seu desenvolvimento
(Musafir, 2014).
Figura
2: e-Administração
-
e-Democracia (dados abertos e transparência; e-participação)
A questão dos
dados abertos entrou na agenda do governo a partir de 2011, no EGTI (2011) que tinha como iniciativa estratégica “implementar a
Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA) e no SLTI (2011) “incentivar os estados e municípios a participarem da INDA”. O
EGTIC 2014 acrescenta a necessidade de “Mapear oportunidades de
transparência ativa (Abrir os dados da APF)”. Os objetivos
estratégicos da EGD 2016 " Fomentar a disponibilização e o
uso de dados abertos" e "Ampliar o uso de TIC para promover
a transparência e dar publicidade à aplicação dos recursos
públicos" reforçam a preocupação do governo com os dados
abertos e a transparência, como ilustrado na Figura 3.
Segundo um
entrevistado do MP, "nos últimos anos nós demos um salto em
transparência. Apesar da percepção que a corrupção no Brasil
aumentou, podemos afirmar que a médio prazo, o aumento da
transparência para o Estado Brasileiro será muito bom". Um
outro entrevistado acrescentou que a Lei de Acesso à Informação
(LAI) foi um marco para a política de transparência brasileira.
O SERPRO (2014) apresentou
dois requisitos estratégicos relacionados a dados abertos no seu PE
2014-2022 (vide Figura 3), mas no PE ciclo 2016 esse assunto não foi mais
mencionado explicitamente.
O tema
“Participação Social” entrou em pauta a partir do PPA
2012 (MP/SPIE, 2011) no objetivo estratégico de “ampliar o diálogo, a
transparência e a participação social no âmbito da Administração
Pública, de forma a promover maior interação entre o Estado e a
sociedade”. Esta estratégia pode ser observada também no EGTIC
2014, onde foi colocada a ação estratégica de “estimular o uso
do ambiente participa.br
para participação social “ e na EGD 2016 com o objetivo "
ampliar e incentivar a participação social na criação e melhoria
dos serviços públicos". Pode ser observado que o tema
participação social, sendo um dos 3 eixos estratégicos da EGD,
teve uma maior relevância nesse plano.
Cabe ressaltar a
preocupação desde o início do governo Dilma em incentivar uma
maior participação do cidadão, como pode ser observado no objetivo
acima citado do PPA 2012. As entrevistas do MP de 2014 reforçaram
essa visão, afirmando que o tema participação social já estava
muito em voga, mas ganhou força política também pela influência
dos movimentos sociais nas manifestações populares de junho de
2013, que agilizou o lançamento do ambiente virtual participa.br.
Existe uma grande parceria do MP com a Secretaria Geral nesse tema, a
participação do Serpro é muito intensa e esse ambiente de
participação utiliza o software público Nosfera (Musafir, 2014).
Em julho de 2015
foi lançada a plataforma "Dialoga Brasil" baseada na
plataforma participa.br
com o objetivo de aumentar a participação política dos cidadãos,
encorajando a proposta de ações relacionadas a temas como saúde,
educação, segurança e cultura, onde as sugestões mais populares
poderiam contribuir para a formulação de políticas públicas. O MP
também usou o participa.br
nas consultas públicas da Estratégia de Governança Digital e da
arquitetura corporativa FACIN (2016).
Segundo
um entrevistado do MP, " nos últimos dois anos podemos destacar:
a melhora da posição brasileira no Global Open Data Index (12ª), a
Política de Dados Abertos e a Participação Social através do
ambiente participa.br" e outro entrevistado concluiu que "O
Brasil está avançando muito com os portais da transparência, dados
abertos e participa.br ... a infraestrutura tecnológica já existe,
a sociedade precisa se apropriar e usar , para que a nossa democracia
possa dar um salto".
Figura
3: e-Democracia
No próximo post,
encerrarei essa série apresentando as iniciativas top do governo
eletrônico brasileiro segundo os entrevistados, seus desafios e
melhores práticas e a conclusão da pesquisa.
Até a próxima!!
Referências
EGD
(2016) – Estratégia de Governança Digital da Administração
Pública Federal 2016-2019. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão - Secretaria de Tecnologia da Informação. Brasília.
EGTI
(2008). Estratégia Geral de Tecnologia da Informação do SISP 2008:
versão 1.0. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão –
Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Brasília.
EGTI
(2011) - Estratégia Geral de Tecnologia da Informação do SISP
2011-2012. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão -
Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Brasília.
EGTIC
(2014) - Estratégia Geral de Tecnologia da Informação e
Comunicações do SISP 2014-2015. Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão - Secretaria de Logística e Tecnologia da
Informação. Brasília.
FACIN
(2016). Framework de Arquitetura Corporativa para Interoperabilidade
no Apoio à Governança, v1.0. Available:
http://www.participa.br/articles/public/0019/6143/FACIN_2016_01_11_Final.pdf
(26 Maio 2016).
MP/SLTI
(2013). Planejamento Estratégico 2011-2015: versão 4 - 3ª revisão.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – Secretaria de
Logística e Tecnologia da Informação, Brasília.
MP/SPIE
(2011). Plano Plurianual 2012-2015. Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos. Brasília.
Musafir,
Valéria E. N. (2014). O
Papel Estratégico do Serpro no Desenvolvimento do Governo Eletrônico
Brasileiro.
Trabalho de Conclusão do Curso de Pós Graduação em Gestão
Pública com Foco em Negócios. Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade. Universidade de Brasília, Brasília,
Brasil, Agosto 2014.
Musafir
V.E.N. (2018) Brazilian E-Government Policy and Implementation. In:
Alcaide Muñoz L., Rodríguez Bolívar M. (eds) International
E-Government Development. Palgrave Macmillan, Cham.
SERPRO
(2014). Planejamento Estratégico do Serpro 2014. Acesso restrito ao
Serpro, disponível em:
https://www.serpro.gov.br/gestao-corporativa/planejamento.
acessado em: março, 2014
Comentários
Postar um comentário