Pular para o conteúdo principal

Política e Implementação do Governo Eletrônico Brasileiro - parte III

Por Valéria Nigri Musafir
Este artigo completa a série sobre o capítulo “Brazilian e-Government Policy and Implementation” de minha autoria do livro "International e-Government Development: Policy, Implementation and Best Practice" (Musafir, 2018). 

No primeiro artigo, foi feita uma introdução do livro e da metodologia utilizada na pesquisa. No segundo artigo, foram apresentados os resultados da pesquisa com relação as 3 categorias de e-governança, a saber: e-serviços; e-administração (interoperabilidade e integração, padronização e sistemas estruturantes); e e-democracia (dados abertos e transparência; e-participação).
Neste artigo serão mostradas as iniciativas de governo eletrônico mais relevantes e inovadoras dos últimos anos, segundo os gestores estratégicos do Serpro e da Secretaria de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, seus desafios e melhores práticas e por fim, a conclusão da pesquisa. 
1. Iniciativas Top do Governo Eletrônico Brasileiro
Na literatura, e-Gov inclui interações eletrônicas de 3 tipos: G2C (Governo-para-Cidadão), G2B (Governo-para-Empresas) e G2G (Governo-para-Governo). As iniciativas inovadoras top de cada tipo de interação, seus desafios e melhores práticas estão listadas abaixo.
1.1. Top e-Serviços G2C
A Tabela 1 mostra os três e-Serviços G2C top, uma breve descrição, a organização responsável pelo sistema e gestora do dado, o sítio web, os órgãos do governo que o sistema necessita interoperar, o grande volume de informações, os desafios e melhores práticas.
  1. IRPF – Imposto de Renda Pessoa Física
  2. SPED/eSocial - Sistema Público de Escrituração Digital/eSocial
  3. ENEM/SISU/FIES – Serviços relacionados à Educação Superior
     
Tabela 1 - Top e-Serviços Governo-para-Cidadão
1.2. Top e-Serviços G2B
A Tabela 2 mostra os dois e-Serviços G2B top, uma breve descrição, a organização responsável pelo serviço, o sítio web, os órgãos do governo que o sistema necessita interoperar, observações relacionadas ao planejamento estratégico, os desafios e melhores práticas.
  1. Portal Empresa Simples
  2. Portal Único do Comércio Exterior


Tabela 2 - Top e-Serviços Governo-para-Empresas
1.3. Top G2G Sistemas Estruturantes e Processos (e-Administração)
A Tabela 3 apresenta os 3 Sistemas Estruturantes e um processo transversal da Administração Pública Federal, uma breve descrição, a organização responsável pelo sistema, o sítio web, os órgãos do governo que o sistema necessita interoperar, observações relacionadas a estratégia e volume de dados, os desafios e melhores práticas.
  1. SICONFI - Sistemas de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público
  2. SIGEPE - Sistema de Gestão de Pessoas do governo federal
  3. SINESP - Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública
  4. PEN/SEI – Processo Eletrônico Nacional/Sistema Eletrônico de Informações


 Tabela 3 - Top G2G Sistemas Estruturantes e Processos

2. Conclusão
O objetivo dessa pesquisa foi analisar o direcionamento estratégico da política e implementação do governo eletrônico brasileiro desde 2008 até 2016. O escopo desse estudo foi limitado ao governo federal, entretanto muitas políticas e melhores práticas implementadas poderiam também ser aplicadas nos níveis estaduais e municipais, assim como, nas esferas Legislativa e Judiciária.
Desde 2008, as políticas públicas de e-gov estão avançando. Nos últimos dois anos, as estratégias de governo digital estão muito mais alinhadas com o direcionamento das organizações internacionais como ONU, OECD e UNESCO.
A preocupação em melhorar e expandir a oferta de serviços eletrônicos pode ser observada nos planejamentos estratégicos desde 2011, com a inclusão dos elementos transparência, participação social e inovação nos planejamentos subsequentes.
No período de 2011-2013 pode ser observado uma maior interação entre o governo e a sociedade, através de mecanismos que aumentam a transparência pública como a “Lei de Acesso a Informação” (LAI) de 2011. A “Política de Dados Abertos” estabelecida em maio de 2016 será um grande incentivo para promover a publicação de dados de todos os órgãos da APF e melhorar a transparência. O Brasil alcançou a 12ª posição no índice Global Open Data em 2015, mas ainda existem muitas questões relacionadas a que dados devem ser públicos e o que fazer com esses dados.
A expansão da participação social já tinha sido um direcionamento estratégico desde 2012, mas ganhou mais relevância na EGD 2016 - Estratégia de Governança Digital. Essa preocupação do governo fez com que o Brasil alcançasse a 24ª posição no índice e-participação do Relatório de Governo Eletrônico da ONU de 2014. Embora em 2016, o valor do índice tenha subido, o Brasil perdeu 13 posições. Como a e-democracia tem sido muito estimulada nas políticas públicas e tem um papel-chave nas estratégias de governança digital, os cidadãos necessitam se engajar mais efetivamente nos processos de tomada de decisão do governo para avançar mais em e-participação, com o cidadão exercendo a sua cidadania e fortalecendo a democracia.
Podemos concluir a partir da pesquisa, complementada pelas entrevistas que os desafios brasileiros para o desenvolvimento do governo eletrônico ou governança digital são:
  1. Cultura Organizacional – o tamanho do governo federal; a fragmentação das nossas organizações; constante mudança política; o critério usado para a escolha dos executivos do governo privilegia a política ao invés da meritocracia;
  2. Desafio da Integração – muitos órgãos trabalham de forma independente, ao invés de atuarem conjuntamente para simplificar os seus processos. A integração entre níveis de governo é crítica e bem difícil de ser implementada;
  3. Problema Financeiro – todos os ministérios do governo estão tendo cortes nos seus orçamentos, o que afeta substancialmente os seus orçamentos de TI.
Para resolver esses problemas/desafios, o governo brasileiro deveria:
  1. Avançar em governança corporativa com o objetivo de tornar a gestão pública mais profissional, com menos influência política. Duas boas soluções para o problema da fragmentação das organizações são: a) o uso da "Rede de Conhecimento" do SISP e a alocação de técnicos pelo Ministério do Planejamento para as agências do SISP que estão comprometidas com o alcance das metas do EGD definidas entre eles; e b) Implementação de carreiras flexíveis onde as pessoas possam se movimentar mais dentro das suas organizações e compartilhar as inovações entre as áreas;
  2. Simplificar os processos de forma que eles possam ser automatizados sem aumentar a burocracia. "Pensar Simples" - tratar a exceção como exceção, sem penalizar o cidadão que só quer consumir um serviço do Estado de forma simples;
  3. Aumentar a receita de TI através de um novo modelo de negócios onde as organizações governamentais vendem os dados ou serviços para outras organizações públicas ou privadas que necessitam dessas informações para os seus negócios, reduzindo os seus custos. Esse já é um direcionamento estratégico do último planejamento estratégico do Serpro.

Apesar desses desafios, as implementações de e-gov apontadas pelos entrevistados como o IRPF, e-Social, Portal Empresa Simples, SICONFI e SIGEPE são soluções inovadoras a nível mundial por causa de suas melhores práticas, tais como: simplificação dos processos; redução da burocracia; redução do custo Brasil; melhoria da transparência; maior integração e interoperabilidade entre órgãos dos diferentes níveis de governo; uso da metodologia ágil no desenvolvimento de seus sistemas; uso de padrões internacionais (Ex. XBRL); e uso de certificados digitais para aumentar a segurança e proporcionar serviços 100% digitais.

Embora os processos de arrecadação e fiscalização do Ministério da Fazenda estejam completamente automatizados e são reconhecidos pelo CIAT (Centro Interamericano de Administração Tributária) e, temos também outras iniciativas de sucesso, ainda existem muitos processos no governo que precisam ser melhorados.

Nos últimos dois anos, o Brasil está passando por uma crise política, econômica e financeira, que está trazendo importantes mudanças na política pública. Por exemplo, a "Lei das Estatais" aprovada em junho de 2016, estabelece regras mais rígidas para as compras governamentais e a designação de executivos das estatais deverão seguir critérios mais técnicos do que políticos; outras mudanças estão relacionadas a redução do tamanho do governo, corte do número de ministérios e funções comissionadas.

A mudança de paradigma que a Estratégia de Governança Digital (EGD) está trazendo para a política brasileira de e-governança pode ser resumida em "ao invés de desenharmos serviços públicos pensando no cidadão, temos que desenhar serviços públicos do ponto de vista do cidadão".

Como o governo federal está alinhado com o direcionamento da governança digital e com o enfoque do "governo-como-um-todo" (whole-of-government), com foco no cidadão, agindo de forma mais transversal, com colaboração entre os órgãos, o Estado deve melhorar a eficiência e efetividade da gestão pública e reduzir o custo Brasil ao longo dos próximos anos. Como consequência, esperamos ver o Brasil melhorar a sua posição nos índices internacionais.

Com isso, concluo o capítulo do livro, com a expectativa de continuar contribuindo para a melhoria dos serviços eletrônicos/digitais para a sociedade brasileira. 
 
Referências

Musafir, Valéria E. N. (2014). O Papel Estratégico do Serpro no Desenvolvimento do Governo Eletrônico Brasileiro. Trabalho de Conclusão do Curso de Pós Graduação em Gestão Pública com Foco em Negócios. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Universidade de Brasília, Brasília, Brasil, Agosto 2014.

Musafir V.E.N. (2018) Brazilian E-Government Policy and Implementation. In: Alcaide Muñoz L., Rodríguez Bolívar M. (eds) International E-Government Development. Palgrave Macmillan, Cham

Voltar

Comentários