Ressalva: nos meus posts vou usar, preferencialmente, a
forma oficial de denominar os padrões: normas técnicas.
Um dos aspectos fundamentais do envolvimento de interessados
na produção de normas técnicas é a possível adoção dessas no âmbito de nosso
mercado nacional, seja sob o aspecto de proteção ao consumidor, para fortalecer
os aspectos regulatórios ou para incentivar empresas a competirem no mercado. No caso brasileiro, por força de lei, a adoção de uma norma técnica só pode ser
feita após sua tradução para a língua portuguesa, porque desta forma a norma
poderá ser lida e compreendida por uma parcela maior da população e não apenas
aquela parcela versada na língua inglesa ou francesa.
No âmbito da ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas, representante da ISO, do JTC 1 e da IEC no Brasil, a adoção de uma norma está, inicialmente, sob responsabilidade da comissão de estudos (CE) que está envolvida nas discussões internacionais do tema. Exemplo: a adoção das normas de segurança da informação produzidas internacionalmente pelo subcomitê JTC 1/SC 27 são de responsabilidade da comissão ABNT/CE-21:000.27 enquanto as de computação em nuvem estão sobre responsabilidade da comissão ABNT/CE-21:000.38. Pode participar dessas comissões qualquer profissional residente ou empresa estabelecida no Brasil, sendo necessário que o participante tenha expertise no assunto. Esses profissionais (PF ou PJ) determinam, por consenso, quais as normas do portfólio de projetos são significativas para o mercado brasileiro e que merecem ser adotadas por aqui como uma NBR (Norma Brasileira).
A adoção da norma não pode mudar seu conteúdo, sendo necessária apenas sua tradução para português. Usar a palavra “apenas” é quase que incorreto, pois o trabalho envolvido na sua adoção é hercúleo. As normas técnicas têm um jargão próprio, normalmente diferente daquele que usamos no dia-a-dia e tem estrutura e formalidades muitas vezes difíceis de entender para quem está começando a se envolver no assunto. Além disso, a adoção segue a premissa básica de que o texto traduzido tem que ser fiel ao texto original (inclusive suas incoerências e possíveis falhas). Por conta disso, normalmente a tradução é realizada, voluntariamente, pelos membros da própria comissão que, em princípio, participaram de sua gênese e são profissionais de mercado envolvidos no assunto.
Esse voluntarismo traz a todos um desafio enorme, visto que
essa tradução ocorre, normalmente, nos períodos de ausência do trabalho de cada
um (ainda estou para conhecer uma organização que libere tempo de seus funcionários
para este processo “improdutivo” de tradução).
Para tornar o problema um pouco mais complexo, as normas são
revisadas de tempos em tempos, com seu prazo de revisão natural ocorrendo em
períodos de 5 anos. Correções ou ajustes das versões publicadas podem ser feitas
de forma muito mais veloz, podendo até ocorrer em prazos menores que dois anos.
Uma nova versão cancela, a partir do momento de sua publicação, a versão anteriormente
publicada. A ABNT tem por obrigação cancelar no Brasil as normas adotadas que tenham sido substituídas por nova versões caso a comissão responsável não se engaje
no processo de adoção da desta nova versão.
E essas revisões contínuas é que desafiam enormemente os
participantes das comissões brasileiras. É comum termos um grupo significativo
de pessoas se voluntariando para participar do processo de tradução, mas com o
passar do tempo mais de 90% das pessoas simplesmente desaparece das reuniões e
não responde mais aos contatos insistentes dos membros remanescentes da comissão,
sobrecarregando aqueles que ainda continuam efetivamente comprometidos a levar
o trabalho até o fim. Muitas vezes, por causa do tamanho de uma norma, o
processo de adoção tem que ser abandonado por se tornar absolutamente inviável
em vista do número de participantes e a norma adotada deverá ser cancelada.
Nesse momento, a norma de TI que continua em risco é a
ABNT NBR ISO/IEC 26300, conhecida normalmente como ODF (veja http://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=1549).
Adotamos em 2008 a versão 1.0 com uma gigantesca
participação de voluntários, num processo surpreendente. Porém, desde lá (e já
fazem SETE anos), já foram publicadas em nível internacional as correções que resultam
na versão 1.1 e a “nova” versão 1.2. O desengajamento da comunidade foi tão
contundente que a ABNT foi obrigada a colocar a comissão em recesso, por falta
de participantes. Existe solução? Existe sim e ela se baseia em conseguir
profissionais efetivamente comprometidos com a importância que esta norma tem,
principalmente, para o trabalho de interoperabilidade de documentos do governo
federal.
Cada norma que algum segmento da sociedade considera
importante para si, é um filho que temos que criar e desenvolver. Não devemos,
em momento algum, confundir voluntarismo com falta de responsabilidade.
Comentários
Postar um comentário