Vivemos em um país com dimensões
continentais. São aproximadamente 200 milhões de habitantes distribuídos por
8,5 milhões km², sendo cerca de 60% desta área considerada Floresta Amazônica,
um dos mais importantes biomas do mundo. O Brasil possui uma biodiversidade
riquíssima e uma economia fortemente baseada na agricultura, mineração e
indústria de manufatura. Porém, ainda enfrentamos sérios problemas de
distribuição de renda e acesso a serviços básicos como saúde, educação e saneamento
básico. O país possui cerca de 15000 km de fronteira terrestre com outros 10
dez países e quase 7500 km de litoral banhado pelo Oceano Atlântico. Toda esta
heterogeneidade social e ambiental torna a gestão pública de maneira geral
complexa e desafiadora, principalmente quando os recursos financeiros são
escassos e há pouco estimulo à inovação tecnológica.
Com a intenção de superar esses
desafios, o Governo Federal tem investido, nas últimas duas décadas, em
diversos programas e projetos que visam, de forma geral, melhorar as condições
de vida da população brasileira. Exemplos como o “Programa Minha Casa, Minha Vida”, juntamente com o “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”
trouxeram investimentos e crescimento, principalmente para a infraestrutura do
país, focando em energia, moradia, transportes e etc.
Além disso, o Governo Federal
implantou diversos programas sociais e educacionais, como o Bolsa Família, estabeleceu linhas de
financiamento para estudantes de nível superior, subsídio para atletas
olímpicos, fomento à pesquisa e à capacitação profissional em nível técnico.
Entretanto, como sabemos, essas iniciativas são suscetíveis à fraudes e falhas
gerenciais do poder público, o que coloca muitas vezes os esforços do governo
em descrédito perante a população.
Apesar da complexa realidade do
nosso país, os olhares internacionais têm se voltado cada vez mais sobre o
Brasil, uma vez que a forma como o território é administrado aqui, impacta todo
o planeta, principalmente quando se fala sobre desmatamento e emissão de gases
causadores do efeito estufa. Programas já consolidados, como o Monitoramento da
Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), e outros em consolidação,
como o Georreferenciamento de Imóveis Rurais, Mapeamento do vazio cartográfico
da Amazônia, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) e o Cadastro
Ambiental Rural (CAR) são fundamentais local e globalmente.
Mas, afinal, o que essas
iniciativas como o PAC, o Bolsa Família, o CAR e o SISFRON do Governo Federal têm
em comum? A resposta é clara: o espaço geográfico. As obras do PAC estão
localizadas em algum lugar, assim como os beneficiários do Bolsa Família, as
propriedades cadastradas no CAR e as instalações militares que monitoram as
fronteiras nacionais pelo SIFRON. Diante disso, imagine o volume de informações
geográficas e passíveis de serem georreferenciadas que são produzidas e
administradas pelo Governo Federal. Sem exagero algum, podemos falar de um “Big
Data Governamental” apenas com dados desta natureza. E, olhar para esses dados de
forma georreferenciada abre um novo horizonte para a gestão do território, considerando
o entendimento do comportamento social, o monitoramento ambiental e o desenvolvimento
econômico.
Imagem de satélite de Brasília/DF
Um exemplo da importância dos
dados geográficos para o Brasil foi a criação da Infraestrutura Nacional de
Dados Espaciais (INDE), através do Decreto 6.666/2008. A INDE é definida
oficialmente como “conjunto integrado de
tecnologias; políticas; mecanismos e procedimentos de coordenação e
monitoramento; padrões e acordos, necessário para facilitar e ordenar a
geração, o armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a disseminação e o uso
dos dados geoespaciais de origem federal, estadual, distrital e municipal”.
Diversos órgãos federais já aderiram à INDE, mas ainda existe muito a ser feito,
dada a complexidade que é reunir dados de dezenas de instituições, padronizá-los
e disponibilizá-los de forma atualizada e confiável.
Como seria possível então fazer o
cadastro e a gestão integrada de todas essas informações? Os Sistemas de
informações Geográficas (da sigla GIS em inglês) são peça chave para apoiar os
órgãos governamentais nestes desafios: atuando desde o planejamento e a análise
de dados, passando pela gestão operacional, coleta de dados em campo e gestão
de ativos, permitindo ainda o engajamento social por meio da abertura de dados
e transparência. Com uso do GIS é possível identificar padrões espaciais com
análises estatísticas para identificação de fraudes em benefícios sociais,
planejar o crescimento de uma cidade, monitorar o andamento de uma obra,
acompanhar em tempo real as equipes de fiscalização em campo e receber dados
gerados pela própria população usando seus smartphones. Por exemplo, órgãos
fiscalizadores podem monitorar o andamento de grandes obras usando imagens de
satélite, assim como dados ambientais coletados em campo podem ser cruzados e
modelados para geração de cenários futuros sobre os impactos dessa obra. Todos
estes processos podem ser realizados utilizando um único Sistema de Informações
Geográficas.
A Agência Nacional de Águas (ANA)
e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) são exemplos de órgãos
reguladores federais que utilizam o GIS. Podemos notar facilmente isso quando
acessamos o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos ou quando observarmos
as deliberações da ANEEL sobre as Bases de Dados Geográficas das Concessionárias
(BDGD). Outro exemplo é o uso de GIS no Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno
da Baía de Guanabara, que busca, entre diversos objetivos, atender requisitos
da regulação do setor. Ainda na esfera federal, o Serviço Geológico do Brasil
(CPRM) faz ampla utilização de GIS para mapeamento de áreas de risco a
desastres naturais.
Dados Geográficos da Cidade do Rio de Janeiro/RJ
Com desafios parecidos, diversas
prefeituras do país têm utilizado os Sistemas de Informações Geográficas. Um
exemplo é a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro que implantou duas soluções
baseadas em GIS (“Dados abertos geográficos da Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro” e o “Mapa participativo da cidade do Rio de Janeiro”). Ambas as
aplicações dão acesso à informação para população e promovem a transparência e
engajamento social de forma bastante inovadora.
Quando olhamos para este exemplo,
vemos um emaranhado de ações interministeriais e interestaduais, grupos de
trabalho multidisciplinares, comissões e conselhos que buscam integrar
processos, compartilhar dados e chegar a consensos sobre temas polêmicos, e
tecnicamente sofisticados. Neste ponto, o GIS também é um diferencial. Sua
capacidade de análise, suporte a diversos sistemas gerenciadores de bancos de
dados e possibilidade de integração com sistemas legados, como ferramentas de Business Inteligence (BI), tem ampliado
a capacidade gerencial dos governos brasileiros, permitido que o fluxo da
geoinformação (produção, análise e compartilhamento) seja muito mais simples.
Há uma quebra de um paradigma
aqui. Informação geográfica não é mais algo restrito aos engenheiros
cartógrafos e especialistas em sistemas complexos de cartografia e geografia.
Com interfaces muito simples e disponibilidade em diversos dispositivos e aplicações,
servidores públicos e cidadãos têm utilizado GIS em suas atividades diárias, às
vezes sem nem saber, melhorando seu modo de agir diante dos desafios
cotidianos.
Apesar do novo olhar trazido com o
uso dos Sistemas de Informações Geográficas, o Brasil ainda ocupa as últimas
posições nos rankings mundiais no que se refere ao desenvolvimento de serviços
e produtos inovadores. Em contrapartida, cada vez mais vemos a utilização do
GIS como um catalisador da inovação tecnológica na gestão pública. Há dez anos
atrás, quem poderia imaginar que um cidadão qualquer poderia inserir
informações sobre o seu bairro em um sistema da prefeitura ou que dados sobre a
hidrografia federal poderiam ser consumidos como um web service?
Administrar um país com características
tão diferentes, tendo a visão geográfica como perspectiva comum, permitirá
grandes avanços para a gestão de programas e políticas públicas, aquecendo a
iniciativa privada que atua com essa tecnologia, incentivando pesquisas no meio
acadêmico e beneficiando diretamente toda a sociedade.
Publicado originalmente no MundoGEO
Parabéns pela ótima publicação André!
ResponderExcluirAo meu ver, precisamos discutir a unidade do solo.
Atualmente o cadastro de imóveis urbanos é de responsabilidade dos municípios, porém, os imóveis rurais são de responsabilidade do governo federal, as heranças são de responsabilidade do governo estadual e quem valida a propriedade da terra é um privado, o cartório (considerando o contexto de muitos órgãos públicos, ainda bem que houve também um privado para garantir esse conteúdo).
Precisamos de uma identificação das parcelas do solo e quem são seus proprietários (incluindo rios, lagos, ruas, etc.). Cada unidade deveria ter um ID. Cada unidade deve ser entendida como um ativo e deve ter proprietário, seja ele público ou privado.
Não ter isso, dificulta muito as coisas nas 3 esferas.
Esse comentário expressa a minha forma de ver a questão, sintam-se a vontade em fazer as críticas.
Esse blog tem ótimos conteúdos!
Abraços.