Por Thiago Ávila
No segundo semestre de 2015, escrevemos um artigo indagando o que faríamos com os 40 trilhões de gigabytes de dados disponíveis em 2020 e, posteriormente, iniciamos uma série de artigos sobre o ecossistema de dados e os Dados Abertos. Passado aproximadamente a metade deste período de
tempo, fomos brindados nesta semana com a sanção presidencial do Decreto Federal 9.319/2018, que “Institui o
Sistema Nacional para a Transformação Digital e estabelece a estrutura de
governança para a implantação da Estratégia Brasileira para a Transformação
Digital”, conhecida como E-Digital.
Um trabalho espetacular liderado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações (MCTIC) em articulação com diversos outros Ministérios,
instituições e representantes da sociedade brasileira.
1. A E-Digital
A E-Digital tem como objetivo aproveitar
o potencial das tecnologias digitais para promover o desenvolvimento econômico
e social sustentável e inclusivo, com inovação, aumento de competitividade, de
produtividade e dos níveis de emprego e renda no País, estruturada em eixos
temáticos habilitadores, abordando diretrizes estratégicas para a) infraestrutura
e acesso às tecnologias de informação e comunicação; b) pesquisa,
desenvolvimento e inovação; c) confiança no ambiente digital; d)
educação e capacitação profissional e, e) dimensão internacional;
e os eixos de transformação digital como a) transformação digital da economia
e o de b) cidadania e transformação digital do Governo, este último
alinhado com a Estratégia de Governança Digital - EGD, instituída pelo Decreto nº 8.638, de
15 de janeiro de 2016.
E o que esta novidade conhecida como E-Digital tem a ver com a indagação de 2015, sobre o que faríamos com os 40 trilhões de gigabytes de dados disponíveis? TUDO. Simplesmente tudo a ver. Vamos entender por quê?
A partir da E-Digital, o Brasil institucionaliza oficialmente que o ecossistema digital consiste de um elemento estruturante e fundamental para a transformação da sua socioeconomia. E mais do que isto, conforme o quadro abaixo, extraído do documento consolidado da E-Digital, busca-se uma “Digitalização da economia” brasileira, na prática, uma economia baseada em dados. E como grande e relevante insumo para esta economia baseada em dados estão os Dados Abertos de Governo.
Figura 1 –
Eixos Temáticos da E-Digital[1]
2. Economia
baseada em dados
Com
muita propriedade e citando fontes relevantes, a E-Digital reconhece que “as transformações da era digital acarretam
uma nova revolução industrial baseada em dados, computação e automação.
Atividades humanas e processos industriais passam a ser aprimorados, criados e
recriados com base em volume de dados em escalas antes inexistentes”.
A estratégia ainda pontua que, “no contexto da chamada economia digital, dados apresentam-se como um novo fator de produção, tal como bens materiais e capital humano. Cria-se, assim, um mercado global, no qual o valor é criado a partir do conteúdo gerado e compartilhado por pessoas, sensores e máquinas, assim como pelas informações construídas a partir das incomensuráveis possibilidades de cruzamento entre um imenso acervo de referências”.
A estratégia ainda pontua que, “no contexto da chamada economia digital, dados apresentam-se como um novo fator de produção, tal como bens materiais e capital humano. Cria-se, assim, um mercado global, no qual o valor é criado a partir do conteúdo gerado e compartilhado por pessoas, sensores e máquinas, assim como pelas informações construídas a partir das incomensuráveis possibilidades de cruzamento entre um imenso acervo de referências”.
Figura 2 –
A economia baseada em Dados[2]
A estratégia é uma diretriz de alta
relevância para o ecossistema digital brasileiro, pois através dela reconhece oficialmente
que a socioeconomia brasileira já é ou será totalmente baseada em dados. Neste
contexto, o desenvolvimento e amplo uso de técnicas e tecnologias como o Big
Data e a mineração de dados, a Inteligência Artificial e a aprendizagem de
máquina (machine learning), a
realidade aumentada, a computação em nuvem (cloud
computing) e a Internet das Coisas serão grandes diferenciais competitivos
para a socioeconomia brasileira, visando a geração e a transformação do
ambiente de negócios, pesquisas e atuação estatal.
A estratégia ainda afirma que os dados “tratam-se de matéria-prima que serve de entrada para múltiplos propósitos, e cujo valor é dependente do contexto e de fatores complementares relacionados à capacidade de extrair informação. Interessa notar que dados não geram problema de escassez; ao contrário, sua reutilização maximiza seu valor, com possibilidade de reutilização contínua sem perda de fidelidade, numa geração de valor agregada, o que os caracterizam como um capital dotado de retornos crescentes”.
A E-Digital contem neste eixo temático, a visão do “Mercado de dados como elemento estratégico para o crescimento econômico”; Que haja o devido “equilíbrio entre a garantia da proteção de direitos e o incentivo à inovação” visando fortalecer a “Confiança no Ambiente Digital”. Além disso, deverá haver o “livre fluxo de informações e computação em nuvem como alguns dos fatores essenciais à inovação no mercado de dados” e ainda a “Implementação de políticas voltadas ao estímulo à inovação e à segurança jurídica na economia de dados, criando um ambiente propício ao florescimento desse novo mercado digital”.
E para construir a economia baseada em dados no Brasil, foram estimadas 6 grandes ações como:
- Promover a aprovação da política de incentivo
e atração de centros de dados no País.
-
Promover a cooperação entre autoridades
competentes e a harmonização de marcos normativos relativos a dados, a fim de
facilitar a inserção de empresas brasileiras, inclusive Pequenas e Médias
Empresas (PMEs), em mercados globais.
-
Desenvolver política que estimule a adoção de
nuvem como parte da estrutura tecnológica dos diversos serviços e setores da
Administração Pública.
- Avaliar os potenciais impactos sociais e
econômicos de tecnologias digitais disruptivas, como Inteligência Artificial e
Big Data, propondo políticas que mitiguem seus efeitos negativos ao mesmo tempo
em que maximizem seus efeitos positivos.
-
Promover a cooperação entre representantes do
governo, de universidades e de empresas, a fim de facilitar a troca de
conhecimentos e tecnologias relevantes para o mercado de dados.
-
E por fim, aprimorar a Política Nacional de
Dados Abertos de Governo, nos moldes da discussão apresentada no Eixo Temático
“Transformação Digital: Cidadania e Governo”, envolvendo todos os entes
federados, e incentivar ferramentas, sistemas e processos baseados em dados.
3. Dados
Abertos e a Estratégia de Governança Digital
No contexto brasileiro, o estímulo e fomento a produção e disponibilização de Dados Abertos vem sendo desenvolvido há bastante tempo, tendo como grandes marcos iniciais a publicação do Portal Brasileiro de Dados Abertos (dados.gov.br) e a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos – INDA. Este tema cresce, é fortalecido com a vigência da Lei Federal de Acesso a Informação (Lei 12.527/2011) e ganha muita força, em nível federal, com a sanção presidencial do Decreto Federal 8.777/2016, que institui a “Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal”.
Figura 3 –
Recursos de dados disponibilizados no Portal Dados.gov.br (Elaboração própria,
a partir dos metadados disponíveis na API do dados.gov.br)
No Governo Federal, consolidada a base normativa para a produção e disponibilização de dados abertos governamentais, tais dados passaram a ser fortemente considerados como insumos para ações estratégicas de governo, especialmente no âmbito da Estratégia de Governança Digital do Governo Federal, que considera o fomento, a disponibilização e o uso de dados abertos como objetivo estratégico para a promoção de valor público, ou seja, benefícios para a sociedade.
Figura 4 –
Diagrama Estratégico da Estratégia de Governança Digital da Administração Federal[3]
Este objetivo estratégico se propõe a “fomentar a abertura dos dados dos órgãos e
entidades públicas, respeitando o sigilo dos dados pessoais do cidadão, e
promover o uso dos dados em formato aberto pela sociedade não somente para fins
de controle social e transparência, mas também para o surgimento de iniciativas
não governamentais de prestação de serviços por meio de aplicativos, de
pesquisa científica e mercadológica, dentre outros”.
Tal objetivo estratégico é articulado com o outro objetivo de “Compartilhar e integrar dados, processos, sistemas, serviços e infraestrutura”, onde os dados, os processos, os sistemas de informação, os serviços e a infraestrutura tecnológica devem ser compartilhados entre os órgãos e entidades de forma a reduzir custos e desperdícios e evitar esforços desnecessários e perda de dados e informações. Cumpre ressaltar as iniciativas da Plataforma de Cidadania Digital e especialmente o GovData, apoiada pelo Decreto Federal 8.789/2016, que está criando um ambiente adequado para o compartilhamento e reuso de bases de dados federais para a modernização do Estado e a melhoria de serviços públicos.
4. Desafios
da E-Digital no contexto subnacional
Continuando a abordar especificamente o assunto dos dados, apesar dos inúmeros avanços no campo dos Dados Abertos Governamentais no Brasil, especialmente no Governo Federal, deparamo-nos com uma ação na E-Digital que nos remete a alguma preocupação. A E-Digital se propõe a aprimorar a “Política Nacional de Dados Abertos de Governo”. A grande questão é que ainda NÃO EXISTE uma Política Nacional de Dados Abertos de Governo no Brasil, apenas uma Política Federal, instituída pelo Decreto Federal 8.777/2016.
Este “detalhe” é de uma importância tamanha, que caso seja negligenciado, poderá impactar diretamente na efetividade desta estratégia digital brasileira. Assim como na temática dos Dados Abertos, ainda não visualizamos uma agenda nacional que articule os níveis nacionais, estaduais e municipais em torno da transformação digital, assim como já existem em outras temáticas da sociedade, como a educação, a saúde, e a assistência social. O Brasil é uma nação continental, cheio de particularidades que precisam ser consideradas no desenvolvimento de uma estratégia desta envergadura.
Este “detalhe” é de uma importância tamanha, que caso seja negligenciado, poderá impactar diretamente na efetividade desta estratégia digital brasileira. Assim como na temática dos Dados Abertos, ainda não visualizamos uma agenda nacional que articule os níveis nacionais, estaduais e municipais em torno da transformação digital, assim como já existem em outras temáticas da sociedade, como a educação, a saúde, e a assistência social. O Brasil é uma nação continental, cheio de particularidades que precisam ser consideradas no desenvolvimento de uma estratégia desta envergadura.
Especialmente no que tange aos dados abertos subnacionais, é necessário avançar sim na efetivação de uma política nacional de Dados Abertos, com base normativa nacional, onde Estados e Municípios sejam engajados nesta grande agenda nacional, estruturando unidades de produção e disseminação de dados abertos e fechados, com a publicação de políticas e catálogos de dados abertos em todos os Estados brasileiros. Deverá haver a organização e o fortalecimento do ecossistema digital baseado em dados em todo o Brasil, com o envolvimento dos atores políticos, do setor produtivo, governamental, da academia e da sociedade.
A Infraestrutura Nacional de Dados Abertos – INDA, precisa ser fortalecida e ampliada em nível nacional e não apenas em nível federal como vem se desenvolvendo atualmente. Estados e Municípios precisam ser desafiados pelo Governo Federal, bem como pelo setor produtivo, acadêmico e sociedade civil a se articularem com a nova “economia baseada em dados” que o Brasil instituiu, estruturando e integrando a sua produção de dados abertos governamentais com a INDA, dentre outros recursos nacionais. Provocações e discussões neste sentido já foram explorados por mim em algumas oportunidades, como nesta palestra ministrada no XXII Encontro Anual da Associação Nacional das Instituições de Planejamento, Pesquisa e Estatística – ANIPES, em novembro/2017.
Por fim, na minha avaliação, a E-Digital foi uma das melhores notícias do ano no Brasil, pois coloca o nosso país, mesmo que com algum atraso, num conjunto distinto de nações globais que transformarão sua socioeconomia baseadas em insumos digitais. Assim, voltando a indagação de 2015 e que iniciou este artigo, acreditamos que agora já temos bastante clareza do que podemos fazer com os 40 trilhões de gigabytes disponíveis em 2020: Vamos utilizá-los para fazer a transformação digital no Brasil e no mundo!!!!
[1] https://www.governodigital.gov.br/documentos-e-arquivos/egd-estrategia-de-governanca-digital-da-administracao-federal-2016-2019.pdf
[2] http://www.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/estrategiadigital.pdf
[3]https://www.governodigital.gov.br/documentos-e-arquivos/egd-estrategia-de-governanca-digital-da-administracao-federal-2016-2019.pdf
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